sábado, 21 de abril de 2007

Um cravo para todos vós !


Apesar das fragilidades de um país cada vez mais desigual, com mais de 20% da população a viver abaixo do limiar da pobreza;

Apesar da exclusão social, do desemprego e do emprego precário, da desertificação do interior, do envelhecimento da população, do isolamento dos idosos, da deslocalização de empresas, da corrupção, do tráfico de pessoas humanas e das deficiências do sistema de saúde;

Apesar de mais de metade dos portugueses (52%) não auferirem rendimentos suficientes para pagarem IRS;

Apesar de um certo nacionalismo fundamentalista, dogmático e radical estar de novo na moda, após a vitória da mais retrógrada figura do último século num recente programa de televisão...

Orgulhamo-nos de poder afirmar, 33 anos depois, de cabeça levantada e sem hesitações:

Valeu a pena. 25 de Abril… sempre!

Manuel Filipe Quintas

domingo, 15 de abril de 2007

O Gabinete do Utente

Certamente que a grande maioria dos nossos leitores já ouviu falar do Gabinete do Utente. O site do Portal da Saúde descreve-o como “um instrumento de gestão dos serviços e um meio de defesa dos utentes destinado a receber as sugestões e reclamações dos utentes dos serviços de saúde”.

Esta declaração de princípios deveria bastar para deixar tranquilos os utentes do SNS, ficando estes a coberto de qualquer assomo de prepotência ou ilicitude por parte dos profissionais de saúde. A minha experiência pessoal aconselha-me alguma prudência na avaliação deste “instrumento de gestão”. Lá que ele existe é inegável, tal como o livro de reclamações. A conjugação dos dois é que nem sempre resulta a contento do fim para que foram criados.

O efeito prático do Gabinete do Utente depende da subjectividade de nele marcar presença o factor humano, por vezes permissível a algum tipo de pressões e facilidades. É o que previsivelmente acontece quando há uma boa amizade entre o responsável do Gabinete e o profissional de saúde visado, que com ele convive diariamente. Nestas circunstâncias, naturalmente que a avaliação e o tratamento dado às exposições apresentadas pelos legítimos reclamantes, perdem impacto e coerência.

O que fazer então na presença desta evidência? Recorrer à justiça dos tribunais não está financeiramente ao alcance de todos; a hierarquia dos serviços de saúde, nestes casos, aparentemente também não funciona, já que todas as exposições são reencaminhadas para o Gabinete do Utente se pronunciar. Conclusão: o resultado prático destas reclamações é fatalmente o arquivamento dos processos. Pouco importa a gravidade dos actos praticados e os danos morais, físicos, e financeiros, causados a quem não tem outras formas de se defender.

Manuel Filipe Quintas

quarta-feira, 11 de abril de 2007

A última etapa (2)

Na primeira abordagem ao tema, evidenciei suficientes motivos de preocupação com a insegurança e a desprotecção a que está votada boa parte desta faixa etária que percorre a última etapa da sua vida.

Sem pretender generalizar a questão, é evidente que há um claro fechar de olhos, um adormecimento colectivo da nossa população activa, perante os direitos e a dignidade que é devida àqueles que já entraram na fase descendente da vida e nela percorrem a sua última etapa.

Nesta sociedade apressada e competitiva, não há espaço nem tempo para complacências ou hesitações. Há que estabelecer prioridades, e dentro destas, os idosos ficam quase sempre para o fim. A solidão, as carências afectivas, a falta de saúde, as dificuldades financeiras, são apenas pequenos dramas, próprios deste sector, que vão passando um pouco ao lado das nossas preocupações. Desde que não seja connosco… suportamos e esquecemos de imediato.

Já ouvimos falar de idosos que só comem uma refeição diária, outros que não têm dinheiro para medicamentos, sabemos de pensões de valor abaixo dos 180,00 euros… enfim, sabemos de algumas coisas incómodas/inconvenientes, mas suportamos. Segundo nos dizem, há razões fortes que as justificam: é a economia que não arranca, o Governo que tem metas a cumprir, há o deficit, os sacrifícios que nos pedem/exigem, etc. etc.

Está tudo tão enraizado na nossa mentalidade tolerante/condescendente que já não estranhamos, nem protestamos. Ouvir dizer que há direitos consignados na Lei que defendem os idosos/doentes/sem recursos, contra as arbitrariedades e o autoritarismo, é pura especulação. Na prática, e até prova em contrário, não há ninguém com poder de intervenção/decisão, que na hora da verdade se coloque do lado deste grupo mais desfavorecido. Constato-o e lamento-o.

Manuel Filipe Quintas

sexta-feira, 6 de abril de 2007

A última etapa (1)

Quando se fala em Direitos, Liberdades e Garantias, a Constituição da República Portuguesa é, segundo se diz, uma das mais avançadas da Europa. Em teoria, claro. A vivência do dia-a-dia mostra-nos uma realidade amarga, bem diferente da que consta nos anais da nossa bem amada Lei Fundamental.

O cidadão comum, quando atinge a maturidade da meia-idade, aspira à tranquilidade e à segurança de um emprego estável, com alguma margem de progressão e de realização profissional. As preocupações centram-se então, na educação dos filhos, e no apoio e atenção, que por essa altura, já necessitam os seus progenitores.

A terceira idade é, por ironia e despropósito do Criador, a etapa mais difícil da nossa vida. Talvez a intenção seja a de não deixar saudades, muito menos, vontade de cá voltar.

Tudo seria bem melhor, se por esta altura não fossem subvertidos alguns dos principais direitos consagrados na dita Lei. Desde logo o acesso à saúde, independentemente das condições económicas e sociais de cada cidadão.

Vejamos este exemplo:

- Quando um idoso acumula problemas de saúde de vária ordem, e é obrigado a sair de sua casa, e da localidade onde reside, porque o seu médico de família o exclui, arbitrariamente, da sua lista de utentes, sem qualquer motivo plausível ou justificado;
- quando esse médico é a única alternativa de saúde na localidade;
- quando um idoso formaliza uma reclamação legítima, no livro apropriado, da conduta deste clínico;
- quando é apresentado um pedido de apoio generalizado a todas as instâncias do distrito, a quem cabe a protecção social e a defesa do utente na área da saúde;
- quando o eco que se ouve do outro lado é vago, impreciso, ou quase nulo… parece-me que a Constituição da República Portuguesa, e todos os mecanismos criados para a defesa do cidadão, na prática, não funcionam, tal como estão consagrados na lei.

Será que não é caso para nos inquietarmos seriamente, com a perspectiva de alguns de nós chegarmos à última etapa da vida e não pudermos, sequer, pedir uma simples declaração, da exclusiva competência do médico de família, por medo de represálias? E o que acontece a quem reclama? Pois é, meus amigos, nem queiram saber! A vida, nesta derradeira etapa, é bem mais complicada do que parece e do que a nossa lei, benevolamente prevê.

Esta história não se passa na nossa cidade. Felizmente por cá, ainda existem alternativas, desde logo, mais do que um único médico de família para toda a população. Mas é verdadeira e desenrola-se geograficamente bem perto de nós.

Uma boa Páscoa para todos.

Manuel Filipe Quintas