Pinto da Costa exigiu ao Estado uma indemnização de 50.000 euros, alegando ter sido detido ilegalmente e invocando ter sofrido um tratamento «vexatório aplicado pelas autoridades» e «danos elevados na sua imagem» durante as três horas e cinco minutos em que esteve detido.
Um dia, também eu já fui DETIDO.
Há 32 anos e alguns meses atrás, deambulava eu pelas ruas de Luanda a pé, quando uma patrulha da Polícia Militar (PM) parou o Jeep ao meu lado. O mais graduado (um Cabo) saltou para o chão, fez-me a continência e pediu-me para subir para a viatura. Estava detido.
Motivo invocado: o uso de sapatos civis com a farda militar. Ainda hoje estou para perceber se os distintos PM’s eram especializados em calçado ou se usaram binóculos para detectarem a desconformidade.
A minha primeira reacção não podia ter corrido pior. Tentei convencê-los a fecharem os olhos, afinal a infracção não era assim tão grave. Como não fui bem sucedido passei à fase seguinte: a tentativa de suborno. Lembro-me de lhes ter acenado com 50$00 para beberem um cervejas e esquecerem o incidente. Nada feito. Os homens eram íntegros e as ameaças subiram de tom. Subi para a viatura.
O contratempo seguinte verificou-se com a impossibilidade legal de me levarem dali preso sem a presença de um militar com patente igual ou superior à minha. Meia hora depois chegou o competente polícia militar e lá fui conduzido ao quartel da PM que distava menos de um quilómetro do meu.
Permaneci aí cerca de duas horas sem que me fosse dada qualquer informação sobre o que me esperava. Quando já desesperava vejo entrar na sala dois militares da minha companhia que me vinham buscar. Tinham recebido instruções nesse sentido.
Para meu espanto, a história não tinha ainda terminado. O oficial da PM informou os meus dois companheiros que eu estava ali na condição de detido e assim iria continuar até trocar de sapatos.
A solução mais óbvia passava por eu ser novamente conduzido na qualidade de prisioneiro até ao meu quartel, e para isso, os meus acompanhantes teriam de vir armados (bastava uma simples pistola) o que não era o caso.
Meia hora depois chegou a minha escolta. Desta vez já eram seis… e todos armados até aos dentes! Eram pistolas, espingardas, granadas… todo o armamento individual que lhes tinha sido distribuído! Um autêntico arsenal de guerra para me levarem dali. Cheguei a temer que me levassem algemado. Felizmente que nenhum deles se lembrou disso.
Nesse dia senti-me o prisioneiro mais importante do meu país.
E pronto, esta foi a minha primeira, e espero que a última, experiência como prisioneiro. Menos de um mês depois estava de volta a casa e com a caderneta militar limpa. Nenhum averbamento.
MFQ
quinta-feira, 13 de dezembro de 2007
sábado, 20 de outubro de 2007
domingo, 24 de junho de 2007
Unidade de Cuidados Continuados em Vendas Novas
Nos tempos que correm parece haver algum consenso no apontar de dois temas, “cuidados de saúde” e “protecção na velhice”, como os geradores de maior descontentamento entre cidadãos de baixos recursos financeiros.
Se entre os idosos não há, lamentavelmente, capacidade reivindicativa, nem condições para que isso aconteça nos anos mais próximos, já quanto à saúde, trata-se de uma área mais abrangente, que percorre transversalmente todas as faixas etárias. Logo, mais incómoda para os poderes instituídos.
Apesar desta maior exposição, o acesso em tempo útil aos serviços de saúde pública, ainda é o espelho da humilhação, do trauma e da quebra de dignidade, a que estão votados quase todos os que a ela recorrem.
A Santa Casa da Misericórdia, com um historial rico na prestação de cuidados de saúde, candidatou-se recentemente ao “Regime de Incentivos Saúde XXI”, destinado a criar, ou a adaptar, Unidades de Prestação de Cuidados de Saúde. A concretizar-se este investimento seria o realizar de um sonho que nos persegue a todos, Vendasnovenses, que olham para o seu Hospital com um misto de saudade e de carinho, por tudo aquilo que ele representou para esta população.
A Unidade de Cuidados Continuados de Longa Duração, prevista para funcionar com 28 camas nas instalações do antigo Hospital, é um investimento que justifica um esforço financeiro de grande monta. A recuperação do edifício e a sua reconversão em UCCLD está orçamentada em 800.000 euros. O equipamento ronda os 200.000 euros. Tudo somado, um milhão de euros. Como contrapartida, o Estado dá apenas metade deste valor e o Município comparticipa com menos de 90.000 euros, se for cumprido o previsto no protocolo de cooperação.
Resta assim à Misericórdia encontrar formas de financiar os mais de 410.000 euros que lhe cabem. Nada fácil nos tempos que correm. Tanto mais que as actuais disponibilidades já estão comprometidas com a construção da nova Creche.
Depois, há ainda dúvidas sobre a gestão corrente da Unidade. Nos moldes apresentados, o equilíbrio financeiro estaria aparentemente acautelado. Já quanto à funcionalidade do sistema nem tudo está clarificado. Se a selecção de utentes a internar ficar centralizada em Évora, conforme já foi ventilado, corre-se o risco de não termos Vendasnovenses a beneficiarem destes cuidados e a Unidade ficar ocupada por largos períodos com doentes oriundos de outras regiões do País. A mais-valia para nós, Vendasnovenses, seria neste caso algo relativa, ainda que a criação de mais de uma dezena de postos de trabalho seja não menos importante.
Por tudo isto parece que afinal o sonho não está assim tão à mão como inicialmente se previa. O edifício do antigo Hospital deverá continuar tal como está, desocupado e a degradar-se, e a figurar na nossa memória colectiva, apenas como uma recordação do passado. Uma boa recordação do passado.
Se entre os idosos não há, lamentavelmente, capacidade reivindicativa, nem condições para que isso aconteça nos anos mais próximos, já quanto à saúde, trata-se de uma área mais abrangente, que percorre transversalmente todas as faixas etárias. Logo, mais incómoda para os poderes instituídos.
Apesar desta maior exposição, o acesso em tempo útil aos serviços de saúde pública, ainda é o espelho da humilhação, do trauma e da quebra de dignidade, a que estão votados quase todos os que a ela recorrem.
A Santa Casa da Misericórdia, com um historial rico na prestação de cuidados de saúde, candidatou-se recentemente ao “Regime de Incentivos Saúde XXI”, destinado a criar, ou a adaptar, Unidades de Prestação de Cuidados de Saúde. A concretizar-se este investimento seria o realizar de um sonho que nos persegue a todos, Vendasnovenses, que olham para o seu Hospital com um misto de saudade e de carinho, por tudo aquilo que ele representou para esta população.
A Unidade de Cuidados Continuados de Longa Duração, prevista para funcionar com 28 camas nas instalações do antigo Hospital, é um investimento que justifica um esforço financeiro de grande monta. A recuperação do edifício e a sua reconversão em UCCLD está orçamentada em 800.000 euros. O equipamento ronda os 200.000 euros. Tudo somado, um milhão de euros. Como contrapartida, o Estado dá apenas metade deste valor e o Município comparticipa com menos de 90.000 euros, se for cumprido o previsto no protocolo de cooperação.
Resta assim à Misericórdia encontrar formas de financiar os mais de 410.000 euros que lhe cabem. Nada fácil nos tempos que correm. Tanto mais que as actuais disponibilidades já estão comprometidas com a construção da nova Creche.
Depois, há ainda dúvidas sobre a gestão corrente da Unidade. Nos moldes apresentados, o equilíbrio financeiro estaria aparentemente acautelado. Já quanto à funcionalidade do sistema nem tudo está clarificado. Se a selecção de utentes a internar ficar centralizada em Évora, conforme já foi ventilado, corre-se o risco de não termos Vendasnovenses a beneficiarem destes cuidados e a Unidade ficar ocupada por largos períodos com doentes oriundos de outras regiões do País. A mais-valia para nós, Vendasnovenses, seria neste caso algo relativa, ainda que a criação de mais de uma dezena de postos de trabalho seja não menos importante.
Por tudo isto parece que afinal o sonho não está assim tão à mão como inicialmente se previa. O edifício do antigo Hospital deverá continuar tal como está, desocupado e a degradar-se, e a figurar na nossa memória colectiva, apenas como uma recordação do passado. Uma boa recordação do passado.
Manuel Filipe Quintas
domingo, 6 de maio de 2007
Dia da mãe
sábado, 21 de abril de 2007
Um cravo para todos vós !
Apesar das fragilidades de um país cada vez mais desigual, com mais de 20% da população a viver abaixo do limiar da pobreza;
Apesar da exclusão social, do desemprego e do emprego precário, da desertificação do interior, do envelhecimento da população, do isolamento dos idosos, da deslocalização de empresas, da corrupção, do tráfico de pessoas humanas e das deficiências do sistema de saúde;
Apesar de mais de metade dos portugueses (52%) não auferirem rendimentos suficientes para pagarem IRS;
Apesar de um certo nacionalismo fundamentalista, dogmático e radical estar de novo na moda, após a vitória da mais retrógrada figura do último século num recente programa de televisão...
Orgulhamo-nos de poder afirmar, 33 anos depois, de cabeça levantada e sem hesitações:
Valeu a pena. 25 de Abril… sempre!
Manuel Filipe Quintas
Apesar da exclusão social, do desemprego e do emprego precário, da desertificação do interior, do envelhecimento da população, do isolamento dos idosos, da deslocalização de empresas, da corrupção, do tráfico de pessoas humanas e das deficiências do sistema de saúde;
Apesar de mais de metade dos portugueses (52%) não auferirem rendimentos suficientes para pagarem IRS;
Apesar de um certo nacionalismo fundamentalista, dogmático e radical estar de novo na moda, após a vitória da mais retrógrada figura do último século num recente programa de televisão...
Orgulhamo-nos de poder afirmar, 33 anos depois, de cabeça levantada e sem hesitações:
Valeu a pena. 25 de Abril… sempre!
Manuel Filipe Quintas
domingo, 15 de abril de 2007
O Gabinete do Utente
Certamente que a grande maioria dos nossos leitores já ouviu falar do Gabinete do Utente. O site do Portal da Saúde descreve-o como “um instrumento de gestão dos serviços e um meio de defesa dos utentes destinado a receber as sugestões e reclamações dos utentes dos serviços de saúde”.
Esta declaração de princípios deveria bastar para deixar tranquilos os utentes do SNS, ficando estes a coberto de qualquer assomo de prepotência ou ilicitude por parte dos profissionais de saúde. A minha experiência pessoal aconselha-me alguma prudência na avaliação deste “instrumento de gestão”. Lá que ele existe é inegável, tal como o livro de reclamações. A conjugação dos dois é que nem sempre resulta a contento do fim para que foram criados.
O efeito prático do Gabinete do Utente depende da subjectividade de nele marcar presença o factor humano, por vezes permissível a algum tipo de pressões e facilidades. É o que previsivelmente acontece quando há uma boa amizade entre o responsável do Gabinete e o profissional de saúde visado, que com ele convive diariamente. Nestas circunstâncias, naturalmente que a avaliação e o tratamento dado às exposições apresentadas pelos legítimos reclamantes, perdem impacto e coerência.
O que fazer então na presença desta evidência? Recorrer à justiça dos tribunais não está financeiramente ao alcance de todos; a hierarquia dos serviços de saúde, nestes casos, aparentemente também não funciona, já que todas as exposições são reencaminhadas para o Gabinete do Utente se pronunciar. Conclusão: o resultado prático destas reclamações é fatalmente o arquivamento dos processos. Pouco importa a gravidade dos actos praticados e os danos morais, físicos, e financeiros, causados a quem não tem outras formas de se defender.
Manuel Filipe Quintas
Esta declaração de princípios deveria bastar para deixar tranquilos os utentes do SNS, ficando estes a coberto de qualquer assomo de prepotência ou ilicitude por parte dos profissionais de saúde. A minha experiência pessoal aconselha-me alguma prudência na avaliação deste “instrumento de gestão”. Lá que ele existe é inegável, tal como o livro de reclamações. A conjugação dos dois é que nem sempre resulta a contento do fim para que foram criados.
O efeito prático do Gabinete do Utente depende da subjectividade de nele marcar presença o factor humano, por vezes permissível a algum tipo de pressões e facilidades. É o que previsivelmente acontece quando há uma boa amizade entre o responsável do Gabinete e o profissional de saúde visado, que com ele convive diariamente. Nestas circunstâncias, naturalmente que a avaliação e o tratamento dado às exposições apresentadas pelos legítimos reclamantes, perdem impacto e coerência.
O que fazer então na presença desta evidência? Recorrer à justiça dos tribunais não está financeiramente ao alcance de todos; a hierarquia dos serviços de saúde, nestes casos, aparentemente também não funciona, já que todas as exposições são reencaminhadas para o Gabinete do Utente se pronunciar. Conclusão: o resultado prático destas reclamações é fatalmente o arquivamento dos processos. Pouco importa a gravidade dos actos praticados e os danos morais, físicos, e financeiros, causados a quem não tem outras formas de se defender.
Manuel Filipe Quintas
quarta-feira, 11 de abril de 2007
A última etapa (2)
Na primeira abordagem ao tema, evidenciei suficientes motivos de preocupação com a insegurança e a desprotecção a que está votada boa parte desta faixa etária que percorre a última etapa da sua vida.
Sem pretender generalizar a questão, é evidente que há um claro fechar de olhos, um adormecimento colectivo da nossa população activa, perante os direitos e a dignidade que é devida àqueles que já entraram na fase descendente da vida e nela percorrem a sua última etapa.
Nesta sociedade apressada e competitiva, não há espaço nem tempo para complacências ou hesitações. Há que estabelecer prioridades, e dentro destas, os idosos ficam quase sempre para o fim. A solidão, as carências afectivas, a falta de saúde, as dificuldades financeiras, são apenas pequenos dramas, próprios deste sector, que vão passando um pouco ao lado das nossas preocupações. Desde que não seja connosco… suportamos e esquecemos de imediato.
Já ouvimos falar de idosos que só comem uma refeição diária, outros que não têm dinheiro para medicamentos, sabemos de pensões de valor abaixo dos 180,00 euros… enfim, sabemos de algumas coisas incómodas/inconvenientes, mas suportamos. Segundo nos dizem, há razões fortes que as justificam: é a economia que não arranca, o Governo que tem metas a cumprir, há o deficit, os sacrifícios que nos pedem/exigem, etc. etc.
Está tudo tão enraizado na nossa mentalidade tolerante/condescendente que já não estranhamos, nem protestamos. Ouvir dizer que há direitos consignados na Lei que defendem os idosos/doentes/sem recursos, contra as arbitrariedades e o autoritarismo, é pura especulação. Na prática, e até prova em contrário, não há ninguém com poder de intervenção/decisão, que na hora da verdade se coloque do lado deste grupo mais desfavorecido. Constato-o e lamento-o.
Manuel Filipe Quintas
Sem pretender generalizar a questão, é evidente que há um claro fechar de olhos, um adormecimento colectivo da nossa população activa, perante os direitos e a dignidade que é devida àqueles que já entraram na fase descendente da vida e nela percorrem a sua última etapa.
Nesta sociedade apressada e competitiva, não há espaço nem tempo para complacências ou hesitações. Há que estabelecer prioridades, e dentro destas, os idosos ficam quase sempre para o fim. A solidão, as carências afectivas, a falta de saúde, as dificuldades financeiras, são apenas pequenos dramas, próprios deste sector, que vão passando um pouco ao lado das nossas preocupações. Desde que não seja connosco… suportamos e esquecemos de imediato.
Já ouvimos falar de idosos que só comem uma refeição diária, outros que não têm dinheiro para medicamentos, sabemos de pensões de valor abaixo dos 180,00 euros… enfim, sabemos de algumas coisas incómodas/inconvenientes, mas suportamos. Segundo nos dizem, há razões fortes que as justificam: é a economia que não arranca, o Governo que tem metas a cumprir, há o deficit, os sacrifícios que nos pedem/exigem, etc. etc.
Está tudo tão enraizado na nossa mentalidade tolerante/condescendente que já não estranhamos, nem protestamos. Ouvir dizer que há direitos consignados na Lei que defendem os idosos/doentes/sem recursos, contra as arbitrariedades e o autoritarismo, é pura especulação. Na prática, e até prova em contrário, não há ninguém com poder de intervenção/decisão, que na hora da verdade se coloque do lado deste grupo mais desfavorecido. Constato-o e lamento-o.
Manuel Filipe Quintas
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